Dom Pedro II e Princesa Isabel - De pai para filha
Por que um imperador culto, que afastou o Brasil do rumo dos caudilhos e das ditaduras sul-americanas, não foi capaz de assegurar a sucessão da princesa que aboliu a escravidão
Texto Wagner Gutierrez Barreira | 08/01/2014 16h47
O vapor Alagoas, que levava a família imperial para o exílio em novembro de
1889, afastava-se do continente sul-americano para o mar aberto, ao largo da
costa da Ilha de Fernando de Noronha. Emocionados, dom Pedro e seus parentes
resolveram enviar uma última mensagem à pátria. Apanharam um pombo a bordo e
discutiram o conteúdo de seu derradeiro recado em território brasileiro.
Escolheram uma única palavra - saudade - e soltaram o bicho, que deveria voar em
direção ao país com a homenagem singela. Mas o pombo não tinha vocação para
correio. Suas asas haviam sido aparadas. O resultado: a "saudade" foi ao fundo
do oceano com seu portador, a poucos metros do navio. Talvez a cena da última
tentativa de comunicação entre a família imperial e o povo brasileiro funcione
como metáfora do que foram os anos da monarquia. As intenções sempre eram as
melhores. As atitudes, por vezes desastrosas.
O órfão da nação
O menino tinha apenas 5 anos quando foi arrancado da cama e levado da Quinta da Boa Vista para o Paço Imperial do Rio de Janeiro. Assustado, chorava sem parar, encolhido no banco de trás da carruagem. No caminho, o veículo foi parado por populares, que tiraram os cavalos e se encarregaram de levar eles mesmos a carga preciosa ao seu destino. Havia cheiro de pólvora, vindo de tiros de artilharia. Uma multidão tomava as ruas. O pequeno Pedro, tornado imperador do Brasil naquela noite de 7 de abril de 1831, ocuparia o lugar do pai, que acabara de abdicar. Sua mãe, Maria Leopoldina, havia morrido quando ele era um bebê. Enquanto o garoto era levado ao paço, Pedro I já estava a bordo da fragata inglesa Warspite. Pai e filho nunca mais se viram outra vez.
Por quase meio século, o chamado "órfão da nação" ocuparia o papel de fiador do império. O golpe que lhe garantiu a maioridade aos 14 anos transformou Pedro de Alcântara no condutor do Segundo Reinado. Enquanto os vizinhos latino-americanos se fragmentavam em pequenas repúblicas, comandadas por caudilhos, o Brasil, grande e unido, era visto pelo resto do mundo como uma ilha de civilização em meio à barbárie. Pedro foi criado por tutores (o primeiro deles foi o Patriarca da Independência, José Bonifácio) e por funcionários do palácio. Sua formação foi uma só: seus professores trataram de lhe ensinar como ser magnânimo, justo, educado, comprometido e fiel ao Brasil. Pedro cumpriu à risca o que lhe foi ensinado. Quando morreu no exílio, aos 66 anos, em 1891, seu obituário no jornal The New York Times afirmou que ele "foi o mais ilustrado monarca do século".
Dom Pedro II foi um escravo de seu país desde a abdicação de seu pai. Seus passos eram vigiados, suas atividades se transformavam em relatórios analisados no Parlamento. O Marquês de Itanhaém, o tutor que sucedeu Bonifácio, preparou um regulamento para o garoto que incluía acordar diariamente às 7 da manhã. A partir daí, cada hora tinha uma atividade específica e até as conversas seguiam um tema definido. A rubrica "diversão" durava duas horas diárias. O dia acabava às 21h30 e o sono era precedido de mais leituras. O objetivo do tutor, como relata José Murilo de Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, era criar um paladino. "Itanhaém queria formar um monarca humano, sábio, justo, honesto, constitucional, pacifista, tolerante", afirma Carvalho na biografia D. Pedro II. "Isto é, um governante perfeito, dedicado integralmente a suas obrigações, acima das paixões políticas e dos interesses privados."
A vida pessoal de Pedro, como se vê, não pertencia a Pedro. Visitas de parlamentares para checar in loco a educação do príncipe eram comuns. O Parlamento recebia relatórios sobre os avanços do futuro monarca. O de 1837, por exemplo, dava conta que Pedro falava e escrevia em francês e era capaz de traduzir do inglês. Mas, como registra José Murilo de Carvalho em seu livro, o deputado Rafael de Carvalho criticava a falta de exercícios e divertimento. "Segundo os observadores, era um menino tímido, ensimesmado e, seguramente, muito carente de afeto", definiu o historiador.
Imperador na puberdade, dom Pedro logo encontrou uma palavra que o acompanharia ao longo de toda a vida para descrever as cerimônias, rapapés e atividades inerentes ao mandato: "maçada". Fez uso dela ao comemorar seu primeiro aniversário na condição de imperador, quando anotou em seu diário, depois de um dia que começou às 7 da manhã e incluiu missa, te-deum, beija-mão e teatro: "Agora, façam-me o favor de me deixarem dormir. Estou muito cansado, não é pequena a maçada". Diversos diplomatas, ao longo de seu reinado, observaram o tédio que brotava do imperador brasileiro. Sobravam palavras como triste, infeliz e enfadado para descrevê-lo. Para Carvalho, porém, tratava-se de uma máscara. "O laconismo e o aparente enfado eram, sem dúvida, recursos de que o rapaz fazia uso para acobertar a enorme insegurança."
Talvez o golpe mais duro na vida do jovem imperador tenha sido seu casamento - e a vida em família. Para começo de conversa, encontrar uma noiva foi tarefa complicada. O imperador governava um país distante e atrasado. Não havia no Rio de Janeiro nada que nem de perto lembrasse uma corte (diga-se, os títulos nobiliários do império brasileiro não eram herdados). A cidade era impraticável no verão - e ainda havia a fama de garanhão do pai de Pedro II. Para piorar, o imperador era um sujeito alto e de lindos olhos azuis, mas sua voz... "Bastava que abrisse a boca para que essa boa imagem inicial rapidamente se esvanecesse: a voz era aflautada, fina e aguda, como em falsete, mais própria de um adolescente em início da puberdade do que de um adulto", registra o jornalista Laurentino Gomes no recém-lançado 1889.
A princesa carola
O encarregado de encontrar uma princesa para dom Pedro II, Bento da Silva Lisboa, rodou a Europa por dois anos em busca de uma candidata. Acabou por negociar com o rei Fernando, das Duas Sicílias, o casamento do imperador com sua irmã mais nova, Teresa Cristina. O ramo Bourboun de Fernando era uma casa de pouco prestígio na nobreza europeia e o rei tinha fama de déspota. Ainda assim, o noivo gostou do que viu ao receber um retrato da futura imperatriz. A achou "mui bela". O casamento foi feito por procuração, e, um século antes da invenção do Photoshop, Pedro não demoraria a se arrepender do comentário. Quando Teresa Cristina chegou ao Rio, em 3 de setembro de 1843, o imperador ficou mui decepcionado. Ela era quase 4 anos mais velha, baixa, manca e feia. "Enganaram-me, Dadama", queixou-se à sua aia. Depois, chorou no ombro do mordomo imperial. Do casamento nasceu Afonso, em 1845, que morreu aos 2 anos. No ano seguinte chegou Isabel e, depois, Leopoldina. Em 1848 nasceu Pedro Afonso, que faleceu ainda bebê.
O imperador ofereceu às filhas o mesmo ritmo de estudos a que foi submetido na infância. "A rotina diária de estudos prolongava-se por nove horas e meia, seis dias por semana. Incluía aulas de latim, inglês, francês e alemão, história de Portugal, da França e da Inglaterra, literatura portuguesa e francesa, geografia e geologia, astronomia, química, física, geometria e aritmética, desenho, piano e dança", escreve Laurentino Gomes. "Mais tarde, passaram a incluir também o italiano e o grego, história da filosofia e economia política. No começo, o imperador encarregava-se pessoalmente das aulas de geometria e astronomia. Chegou a escrever um tratado sobre astronomia para as princesas." Tanta cultura assim, porém, acabou fazendo mal às moças. A historiadora Mary del Priore, autora de O Castelo de Papel, sobre Isabel e seu marido, Gastão de Orléans, o Conde d'Eu, afirma que a erudição não deixou marcas na princesa Isabel. "Horas de aulas particulares massivas não significam a justa apreensão da matéria", diz Mary. "Que o diga a cartinha enviada ao pai quando chegou ao Recife: 'O que mesmo haviam feito por lá os holandeses?' Ela não se lembrava mais." A historiadora vai além: "Suas leituras eram censuradas pelo pai e pelo marido e seus melhores conhecimentos eram focados na vida doméstica".
O casamento de Isabel, tal como o do pai, foi um grande arranjo. Gastão de Orléans, filho do Duque de Namours, chamava a futura esposa em correspondência com o pai de Negócio nº 1 (o Negócio nº 2, claro, era a princesa Leopoldina, que se casaria com seu primo). Tal como Pedro, Gastão não gostou da prometida. Em carta à irmã, descreveu a noiva em tom pouco lisonjeiro: "Para que não te surpreendas ao conhecer minha Isabel, aviso-te que ela nada tem de bonito; tem sobretudo uma característica que me chamou a atenção. É que lhe faltam completamente as sobrancelhas. Mas o conjunto de seu porte e de sua pessoa é gracioso".
Mesmo assim, toda a correspondência e a pesquisa historiográfica posterior mostra que o casal era apaixonado e fiel. Havia apenas um problema - e gravíssimo. Isabel não engravidava. A primeira gestação da princesa ocorreu quase dez anos depois do casamento, e no lugar errado. O casal estava na Europa. O contrato pré-nupcial obrigava que o herdeiro do trono nascesse no Brasil. Atravessaram o Atlântico e no dia 25 de julho de 1874 Isabel teve as primeiras contrações. "Mãe e filho passaram 50 horas em dores e sofrimento", relata Mary del Priore. A criança, uma menina, morreu no útero. Para retirá-la - e salvar a vida da princesa - os ossos da feto, inclusive os do crânio, foram quebrados. O episódio dá início a um triste distanciamento entre Isabel e o pai, a quem ela culpou pela viagem de volta ao Brasil. Isabel e o marido mudaram-se para Petrópolis. A perda do bebê radicalizou a carolice da princesa, que se ligou cada vez mais à família e à religião. O casal teve mais três filhos.
O imperador não gostava do genro, considerado liberal demais. Na Guerra do Paraguai, Gastão se ocupou de perseguir Solano Lopes depois que o futuro Duque de Caxias tomou Assunção. Uma de suas primeiras providências foi abolir a escravidão no país vizinho. A imprensa, a quem dom Pedro II permitia uma liberdade raramente vista no país, via em Gastão um estrangeiro que tinha os olhos grandes no império brasileiro e manipulava a mulher. Além disso, o culpava de ganhar dinheiro explorando pobres nos cortiços no centro do Rio de Janeiro, que alugava.
Falta de apoio
Nas narrativas tradicionais sobre o Segundo Reinado, cabe a Isabel papel preponderante. Ela era "A Redentora", responsável pelo grande gesto do fim do século 19, a abolição da escravidão. A Lei Áurea, aliás, é um requinte de minimalismo com seus dois artigos curtos: abole-se a escravidão e revogam-se as disposições em contrário. Na prática, não foi bem assim. Em 13 de maio de 1888, Isabel perdeu o apoio do último grupo que sustentava a monarquia, os fazendeiros, ainda que, como um canto do cisne, seu gesto tenha levado a monarquia à sua fase mais popular no Brasil. "Vossa alteza redimiu uma raça mas perdeu seu trono", anteviu o Barão de Cotegipe, um dos últimos chefes de governo do império. A propósito, é de Cotegipe uma das boas frases sobre os estertores da monarquia brasileira: "Não precisamos ir para a República; ela vem para nós".
Na prática, Isabel estava isolada. Os jornais a tratavam por carola. O fato de Gastão de Orléans ser francês ajudava os propagandistas do temor de que o Brasil poderia ser governado por um estrangeiro - e a princesa submissa ao marido ajudava na avaliação. Gastão, em sua correspondência com o pai, atestava essa visão: "Ela estava habituada a nunca ter vontade", escreveu. "O campo estava livre para exercer todas as audácias de seu caráter." O próprio dom Pedro II não via na filha a melhor pessoa para assumir o papel de imperatriz. Deixava-a à margem das decisões da política. "A impressão que se tem, ao estudar a história do Segundo Reinado, é que dom Pedro nunca acreditou de fato que a filha pudesse assumir o trono", afirma Laurentino Gomes. Quando o imperador se mostrou preocupado com o futuro da monarquia brasileira e perguntou ao seu ministro José Antonio Saraiva o que seria o reino de Isabel, ouviu como resposta: "O reinado de vossa filha não é deste mundo". Uma óbvia indicação de que a carolice da sucessora não encontrava eco no Brasil do fim do século 19.
De acordo com Mary del Priore, não há nada que indique que dom Pedro tenha intencionalmente alijado Isabel do poder. "Mas não há dúvidas, comprovadas pela correspondência do Conde d'Eu com a França, que ele nunca incentivou o casal a ter envolvimento político maior, quer participando das reuniões ou das entrevistas com o ministério, quer circulando pela cidade para angariar simpatias." Ao contrário, diz Mary, dom Pedro não se importou quando o casal se afastou da corte para morar em Petrópolis. "Onde cultivaram poucas amizades e contatos, que lhes faltaram no momento do golpe." Em defesa do imperador, diga-se que Isabel tinha ojeriza à política.
Em carta ao pai, como regente em uma das viagens de dom Pedro ao exterior, Isabel contou como organizara a agenda: "Já marcamos as audiências para as quintas-feiras seguida de despacho; as recepções para as segundas e o corpo diplomático para as primeiras terças dos meses", registrou. "Por ora, eis meus únicos atos oficiais. Quem me dera não ter nenhum a fazer!!!" Durante suas viagens pelo país, as anotações em seu diário têm pouco espaço para discussões políticas, mas brotam comentários sobre jardins, concertos e jantares.
Contra o Terceiro Reinado nas mãos de Isabel também pesava uma questão pessoal. Desde a regência que substituiu dom Pedro I, havia alternância de poder, ainda que as eleições fossem viciadas. Mas nenhuma mulher podia votar no século 19. Mesmo que Portugal, de onde o Brasil herdou o ordenamento legal da monarquia, permitisse que mulheres assumissem a coroa, uma presença feminina no trono incomodava. "No Brasil, conservador e patriarcal, dom Pedro sabia que o exercício político de Isabel era tarefa difícil", afirma Laurentino Gomes. "Uma mulher no trono seria um desafio enorme. O imperador manteve a princesa próxima do trono apenas dentro dos limites do protocolo."
Dom Pedro tinha clareza de que emplacar a filha como sucessora era uma tarefa complicada. E a história mostra que ele não se empenhou muito em mudar esse destino. "Nunca pareceu interessado em preparar um terceiro reinado, para a filha ou para dom Pedro Augusto (veja quadro na página 35), o filho mais velho de Leopoldina", anota José Murilo de Carvalho na biografia do imperador. "Educou Isabel como tinha sido educado, mas não lhe entregou o governo nem mesmo quando já não tinha condições de governar." Para a historiadora Mary del Priore, o empenho de dom Pedro na sucessão simplesmente não existiu. "Sem agenda definida para o império, acho difícil imaginar que, tal como outros imperantes, dom Pedro tivesse interesse em organizar a transição. Em coroas europeias, essa era uma preocupação permanente", afirma Mary. "Mas não consegui identificar, na relação de dom Pedro com o casal D'Eu, nenhum impulso de ajuda ou incentivo nesse sentido."
A jabuticaba no trono
Monarca perfeito para uma democracia imperfeita, onde poucos votavam, Pedro detinha o Poder Moderador, uma jabuticaba política que permitia ao imperador derrubar gabinetes (tal como a fruta, isso só existia no Brasil). Por incrível que pareça, era a única forma de garantir a alternância de poder entre liberais e conservadores. A cada eleição, o partido vencedor trocava as peças de toda administração - e dessa forma tinha a faca e o queijo na mão para perpetuar-se no poder. Ainda assim (ou talvez por isso mesmo), o Poder Moderador e seu controlador, dom Pedro II, garantiram a estabilidade do império. Apesar de chefe do Poder Executivo, o imperador era considerado irresponsável por seus atos e não podia ser processado pelo Judiciário. A situação criava um sujeito com muito poder, mas que não devia satisfação a ninguém, nem à lei. "Durante todo o reinado discutiu-se o que significava na prática chefiar um poder que era operado por outros", afirma José Murilo de Carvalho. "O reinado terminou sem que se chegasse a um consenso sobre esse tema." "O Poder Moderador transformava dom Pedro II, mesmo à revelia de sua vontade pessoal, num soberano absoluto de fato, o que era já uma relíquia de museu no revolucionário século 19", afirma Laurentino Gomes. Para a historiadora Mary del Priore, o Poder Moderador contribuiu para que o Império fosse confundido com toda sorte de arcaísmos. "O povo e a opinião pública desejavam ardentemente a modernização do país", diz Mary. "Para eles, a coroa e seus representantes eram o que havia de mais antiquado e conservador."
Imperador republicano
Para complicar ainda mais a aspiração de Isabel, dom Pedro não parecia muito preocupado em perder o trono. Seus momentos de vida mais felizes ocorreram quando ele deixou o peso da farda de imperador para tornar-se apenas o cidadão Pedro de Alcântara, como gostava de ser tratado em suas viagens internacionais. Há evidentes sinais de que, para ele, a República era algo inevitável no Brasil. "Aparentemente, dom Pedro se resignou à marcha da história", afirma Laurentino Gomes.
De fato, em algumas correspondências, o imperador não esconde que vestiria melhor o figurino republicano. Em seu diário, em 1862, muito antes da explosão do movimento pela República no Brasil, ele anotou: "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou de ministro à de imperador".
Quando o golpe que levou à República eclodiu no Rio de Janeiro, dom Pedro estava em Petrópolis. Poderia ter fugido para o interior e comandado a resistência. Poderia ter parlamentado com o marechal Deodoro da Fonseca, seu amigo e, ainda que alçado a líder do movimento, sem grandes pendores republicanos. Mas ele simplesmente se acomodou e aceitou os fatos. "O imperador mantinha-se abúlico e fatalista", descreve José Murilo de Carvalho em D. Pedro II. "Quando lhe disseram que a República já podia estar proclamada, respondeu: 'Se for assim, será a minha aposentadoria. Já trabalhei muito e estou cansado. Irei então descansar'." No dia 16, a princesa Isabel, que na véspera pedira ao pai para que convocasse o Conselho de Estado, simplesmente pôs-se a chorar. Reuniu-se aos filhos e preparou-se para embarcar para o exílio.
Na Europa, pai e filha dedicaram-se ao que realmente gostavam. Pedro de Alcântara aproximou-se ainda mais de cientistas e intelectuais, como Louis Pasteur (a quem, como imperador, angariou doações ao seu hoje célebre instituto).
O médico que assinou seu atestado de óbito, por exemplo, era Jean-Martin Charcot, um dos pioneiros da psiquiatria. Dom Pedro morreu de complicações de uma pneumonia em 1891, mas Charcot havia chegado a outro diagnóstico ao imperador em sua última viagem à Europa como mandatário brasileiro: ele sofria de surmenage, fadiga física e mental. Curiosamente, no filme Augustine, recentemente em cartaz, o médico francês aparece em algumas cenas com um pequeno macaco de estimação, um presente de dom Pedro.
Isabel dedicou-se à família. Seu marido comprou o Castelo d'Eu, na Normandia. Durante a Primeira Guerra, a princesa se ocupou de gerir cozinhas comunitárias e o marido representava a Cruz Vermelha na região. Com uma baioneta, fazia a ronda noturna no vilarejo próximo ao castelo. Isabel morreu em 14 de novembro de 1921. Tal como o pai, sem nunca ter voltado ao Brasil.
O plano B da Monarquia
Nos últimos anos do Segundo Reinado, apareceu um novo candidato ao trono de dom Pedro II. Seu neto Pedro Augusto, filho da princesa Leopoldina, começou uma articulação de bastidores para transformar-se em dom Pedro III. Era uma forma de evitar a posse de uma mulher carola e ainda por cima casada com um estrangeiro e de prolongar um pouco mais a monarquia. "As tensões entre Isabel e o sobrinho eram enormes", registra Mary del Priore em O Castelo de Papel. "O grupo de 'pedristas' aproveitava e cabalava. Acreditava numa passagem menos radical em direção à República." Boa parte da elite brasileira acreditava que o rapaz era o nome perfeito para suceder dom Pedro II. Seu apelido era "o Preferido". Durante as angustiantes horas do 15 de novembro, Pedro Augusto se propôs a driblar a guarda e buscar contato com os sediciosos. Queria fazer algo pela família imperial. O avô o impediu - e o acusou de conspirar com os revoltosos. No navio que levou a família imperial para o exílio, o rapaz mostrou os primeiros sintomas do que hoje se chama transtorno bipolar - tentou esganar o comandante. Preso em seu camarote, jogava garrafas com pedidos de socorro no mar. A pedido de Jean-Martin Charcot, o médico de Pedro II, o "príncipe maldito", como o chamou Mary del Priore na biografia que escreveu sobre ele, foi examinado por Sigmund Freud. Internado em um sanatório depois de tentar o suicídio em 1893, Pedro Augusto morreu em 1934, 40 anos depois. "O Brasil se livrou de ter um rei louco, como já havia acontecido com Portugal, durante o reinado de Maria I, e com a Inglaterra de George III", diz Gomes.
Saiba mais
LIVROS
D. Pedro II, José Murilo de Carvalho, Cia das Letras, 2007
O Castelo de Papel, Mary del Priore, Rocco, 20131889, Laurentino Gomes, Globo Livros, 2013
O órfão da nação
O menino tinha apenas 5 anos quando foi arrancado da cama e levado da Quinta da Boa Vista para o Paço Imperial do Rio de Janeiro. Assustado, chorava sem parar, encolhido no banco de trás da carruagem. No caminho, o veículo foi parado por populares, que tiraram os cavalos e se encarregaram de levar eles mesmos a carga preciosa ao seu destino. Havia cheiro de pólvora, vindo de tiros de artilharia. Uma multidão tomava as ruas. O pequeno Pedro, tornado imperador do Brasil naquela noite de 7 de abril de 1831, ocuparia o lugar do pai, que acabara de abdicar. Sua mãe, Maria Leopoldina, havia morrido quando ele era um bebê. Enquanto o garoto era levado ao paço, Pedro I já estava a bordo da fragata inglesa Warspite. Pai e filho nunca mais se viram outra vez.
Por quase meio século, o chamado "órfão da nação" ocuparia o papel de fiador do império. O golpe que lhe garantiu a maioridade aos 14 anos transformou Pedro de Alcântara no condutor do Segundo Reinado. Enquanto os vizinhos latino-americanos se fragmentavam em pequenas repúblicas, comandadas por caudilhos, o Brasil, grande e unido, era visto pelo resto do mundo como uma ilha de civilização em meio à barbárie. Pedro foi criado por tutores (o primeiro deles foi o Patriarca da Independência, José Bonifácio) e por funcionários do palácio. Sua formação foi uma só: seus professores trataram de lhe ensinar como ser magnânimo, justo, educado, comprometido e fiel ao Brasil. Pedro cumpriu à risca o que lhe foi ensinado. Quando morreu no exílio, aos 66 anos, em 1891, seu obituário no jornal The New York Times afirmou que ele "foi o mais ilustrado monarca do século".
Dom Pedro II foi um escravo de seu país desde a abdicação de seu pai. Seus passos eram vigiados, suas atividades se transformavam em relatórios analisados no Parlamento. O Marquês de Itanhaém, o tutor que sucedeu Bonifácio, preparou um regulamento para o garoto que incluía acordar diariamente às 7 da manhã. A partir daí, cada hora tinha uma atividade específica e até as conversas seguiam um tema definido. A rubrica "diversão" durava duas horas diárias. O dia acabava às 21h30 e o sono era precedido de mais leituras. O objetivo do tutor, como relata José Murilo de Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, era criar um paladino. "Itanhaém queria formar um monarca humano, sábio, justo, honesto, constitucional, pacifista, tolerante", afirma Carvalho na biografia D. Pedro II. "Isto é, um governante perfeito, dedicado integralmente a suas obrigações, acima das paixões políticas e dos interesses privados."
A vida pessoal de Pedro, como se vê, não pertencia a Pedro. Visitas de parlamentares para checar in loco a educação do príncipe eram comuns. O Parlamento recebia relatórios sobre os avanços do futuro monarca. O de 1837, por exemplo, dava conta que Pedro falava e escrevia em francês e era capaz de traduzir do inglês. Mas, como registra José Murilo de Carvalho em seu livro, o deputado Rafael de Carvalho criticava a falta de exercícios e divertimento. "Segundo os observadores, era um menino tímido, ensimesmado e, seguramente, muito carente de afeto", definiu o historiador.
Imperador na puberdade, dom Pedro logo encontrou uma palavra que o acompanharia ao longo de toda a vida para descrever as cerimônias, rapapés e atividades inerentes ao mandato: "maçada". Fez uso dela ao comemorar seu primeiro aniversário na condição de imperador, quando anotou em seu diário, depois de um dia que começou às 7 da manhã e incluiu missa, te-deum, beija-mão e teatro: "Agora, façam-me o favor de me deixarem dormir. Estou muito cansado, não é pequena a maçada". Diversos diplomatas, ao longo de seu reinado, observaram o tédio que brotava do imperador brasileiro. Sobravam palavras como triste, infeliz e enfadado para descrevê-lo. Para Carvalho, porém, tratava-se de uma máscara. "O laconismo e o aparente enfado eram, sem dúvida, recursos de que o rapaz fazia uso para acobertar a enorme insegurança."
Talvez o golpe mais duro na vida do jovem imperador tenha sido seu casamento - e a vida em família. Para começo de conversa, encontrar uma noiva foi tarefa complicada. O imperador governava um país distante e atrasado. Não havia no Rio de Janeiro nada que nem de perto lembrasse uma corte (diga-se, os títulos nobiliários do império brasileiro não eram herdados). A cidade era impraticável no verão - e ainda havia a fama de garanhão do pai de Pedro II. Para piorar, o imperador era um sujeito alto e de lindos olhos azuis, mas sua voz... "Bastava que abrisse a boca para que essa boa imagem inicial rapidamente se esvanecesse: a voz era aflautada, fina e aguda, como em falsete, mais própria de um adolescente em início da puberdade do que de um adulto", registra o jornalista Laurentino Gomes no recém-lançado 1889.
A princesa carola
O encarregado de encontrar uma princesa para dom Pedro II, Bento da Silva Lisboa, rodou a Europa por dois anos em busca de uma candidata. Acabou por negociar com o rei Fernando, das Duas Sicílias, o casamento do imperador com sua irmã mais nova, Teresa Cristina. O ramo Bourboun de Fernando era uma casa de pouco prestígio na nobreza europeia e o rei tinha fama de déspota. Ainda assim, o noivo gostou do que viu ao receber um retrato da futura imperatriz. A achou "mui bela". O casamento foi feito por procuração, e, um século antes da invenção do Photoshop, Pedro não demoraria a se arrepender do comentário. Quando Teresa Cristina chegou ao Rio, em 3 de setembro de 1843, o imperador ficou mui decepcionado. Ela era quase 4 anos mais velha, baixa, manca e feia. "Enganaram-me, Dadama", queixou-se à sua aia. Depois, chorou no ombro do mordomo imperial. Do casamento nasceu Afonso, em 1845, que morreu aos 2 anos. No ano seguinte chegou Isabel e, depois, Leopoldina. Em 1848 nasceu Pedro Afonso, que faleceu ainda bebê.
O imperador ofereceu às filhas o mesmo ritmo de estudos a que foi submetido na infância. "A rotina diária de estudos prolongava-se por nove horas e meia, seis dias por semana. Incluía aulas de latim, inglês, francês e alemão, história de Portugal, da França e da Inglaterra, literatura portuguesa e francesa, geografia e geologia, astronomia, química, física, geometria e aritmética, desenho, piano e dança", escreve Laurentino Gomes. "Mais tarde, passaram a incluir também o italiano e o grego, história da filosofia e economia política. No começo, o imperador encarregava-se pessoalmente das aulas de geometria e astronomia. Chegou a escrever um tratado sobre astronomia para as princesas." Tanta cultura assim, porém, acabou fazendo mal às moças. A historiadora Mary del Priore, autora de O Castelo de Papel, sobre Isabel e seu marido, Gastão de Orléans, o Conde d'Eu, afirma que a erudição não deixou marcas na princesa Isabel. "Horas de aulas particulares massivas não significam a justa apreensão da matéria", diz Mary. "Que o diga a cartinha enviada ao pai quando chegou ao Recife: 'O que mesmo haviam feito por lá os holandeses?' Ela não se lembrava mais." A historiadora vai além: "Suas leituras eram censuradas pelo pai e pelo marido e seus melhores conhecimentos eram focados na vida doméstica".
O casamento de Isabel, tal como o do pai, foi um grande arranjo. Gastão de Orléans, filho do Duque de Namours, chamava a futura esposa em correspondência com o pai de Negócio nº 1 (o Negócio nº 2, claro, era a princesa Leopoldina, que se casaria com seu primo). Tal como Pedro, Gastão não gostou da prometida. Em carta à irmã, descreveu a noiva em tom pouco lisonjeiro: "Para que não te surpreendas ao conhecer minha Isabel, aviso-te que ela nada tem de bonito; tem sobretudo uma característica que me chamou a atenção. É que lhe faltam completamente as sobrancelhas. Mas o conjunto de seu porte e de sua pessoa é gracioso".
Mesmo assim, toda a correspondência e a pesquisa historiográfica posterior mostra que o casal era apaixonado e fiel. Havia apenas um problema - e gravíssimo. Isabel não engravidava. A primeira gestação da princesa ocorreu quase dez anos depois do casamento, e no lugar errado. O casal estava na Europa. O contrato pré-nupcial obrigava que o herdeiro do trono nascesse no Brasil. Atravessaram o Atlântico e no dia 25 de julho de 1874 Isabel teve as primeiras contrações. "Mãe e filho passaram 50 horas em dores e sofrimento", relata Mary del Priore. A criança, uma menina, morreu no útero. Para retirá-la - e salvar a vida da princesa - os ossos da feto, inclusive os do crânio, foram quebrados. O episódio dá início a um triste distanciamento entre Isabel e o pai, a quem ela culpou pela viagem de volta ao Brasil. Isabel e o marido mudaram-se para Petrópolis. A perda do bebê radicalizou a carolice da princesa, que se ligou cada vez mais à família e à religião. O casal teve mais três filhos.
O imperador não gostava do genro, considerado liberal demais. Na Guerra do Paraguai, Gastão se ocupou de perseguir Solano Lopes depois que o futuro Duque de Caxias tomou Assunção. Uma de suas primeiras providências foi abolir a escravidão no país vizinho. A imprensa, a quem dom Pedro II permitia uma liberdade raramente vista no país, via em Gastão um estrangeiro que tinha os olhos grandes no império brasileiro e manipulava a mulher. Além disso, o culpava de ganhar dinheiro explorando pobres nos cortiços no centro do Rio de Janeiro, que alugava.
Falta de apoio
Nas narrativas tradicionais sobre o Segundo Reinado, cabe a Isabel papel preponderante. Ela era "A Redentora", responsável pelo grande gesto do fim do século 19, a abolição da escravidão. A Lei Áurea, aliás, é um requinte de minimalismo com seus dois artigos curtos: abole-se a escravidão e revogam-se as disposições em contrário. Na prática, não foi bem assim. Em 13 de maio de 1888, Isabel perdeu o apoio do último grupo que sustentava a monarquia, os fazendeiros, ainda que, como um canto do cisne, seu gesto tenha levado a monarquia à sua fase mais popular no Brasil. "Vossa alteza redimiu uma raça mas perdeu seu trono", anteviu o Barão de Cotegipe, um dos últimos chefes de governo do império. A propósito, é de Cotegipe uma das boas frases sobre os estertores da monarquia brasileira: "Não precisamos ir para a República; ela vem para nós".
Na prática, Isabel estava isolada. Os jornais a tratavam por carola. O fato de Gastão de Orléans ser francês ajudava os propagandistas do temor de que o Brasil poderia ser governado por um estrangeiro - e a princesa submissa ao marido ajudava na avaliação. Gastão, em sua correspondência com o pai, atestava essa visão: "Ela estava habituada a nunca ter vontade", escreveu. "O campo estava livre para exercer todas as audácias de seu caráter." O próprio dom Pedro II não via na filha a melhor pessoa para assumir o papel de imperatriz. Deixava-a à margem das decisões da política. "A impressão que se tem, ao estudar a história do Segundo Reinado, é que dom Pedro nunca acreditou de fato que a filha pudesse assumir o trono", afirma Laurentino Gomes. Quando o imperador se mostrou preocupado com o futuro da monarquia brasileira e perguntou ao seu ministro José Antonio Saraiva o que seria o reino de Isabel, ouviu como resposta: "O reinado de vossa filha não é deste mundo". Uma óbvia indicação de que a carolice da sucessora não encontrava eco no Brasil do fim do século 19.
De acordo com Mary del Priore, não há nada que indique que dom Pedro tenha intencionalmente alijado Isabel do poder. "Mas não há dúvidas, comprovadas pela correspondência do Conde d'Eu com a França, que ele nunca incentivou o casal a ter envolvimento político maior, quer participando das reuniões ou das entrevistas com o ministério, quer circulando pela cidade para angariar simpatias." Ao contrário, diz Mary, dom Pedro não se importou quando o casal se afastou da corte para morar em Petrópolis. "Onde cultivaram poucas amizades e contatos, que lhes faltaram no momento do golpe." Em defesa do imperador, diga-se que Isabel tinha ojeriza à política.
Em carta ao pai, como regente em uma das viagens de dom Pedro ao exterior, Isabel contou como organizara a agenda: "Já marcamos as audiências para as quintas-feiras seguida de despacho; as recepções para as segundas e o corpo diplomático para as primeiras terças dos meses", registrou. "Por ora, eis meus únicos atos oficiais. Quem me dera não ter nenhum a fazer!!!" Durante suas viagens pelo país, as anotações em seu diário têm pouco espaço para discussões políticas, mas brotam comentários sobre jardins, concertos e jantares.
Contra o Terceiro Reinado nas mãos de Isabel também pesava uma questão pessoal. Desde a regência que substituiu dom Pedro I, havia alternância de poder, ainda que as eleições fossem viciadas. Mas nenhuma mulher podia votar no século 19. Mesmo que Portugal, de onde o Brasil herdou o ordenamento legal da monarquia, permitisse que mulheres assumissem a coroa, uma presença feminina no trono incomodava. "No Brasil, conservador e patriarcal, dom Pedro sabia que o exercício político de Isabel era tarefa difícil", afirma Laurentino Gomes. "Uma mulher no trono seria um desafio enorme. O imperador manteve a princesa próxima do trono apenas dentro dos limites do protocolo."
Dom Pedro tinha clareza de que emplacar a filha como sucessora era uma tarefa complicada. E a história mostra que ele não se empenhou muito em mudar esse destino. "Nunca pareceu interessado em preparar um terceiro reinado, para a filha ou para dom Pedro Augusto (veja quadro na página 35), o filho mais velho de Leopoldina", anota José Murilo de Carvalho na biografia do imperador. "Educou Isabel como tinha sido educado, mas não lhe entregou o governo nem mesmo quando já não tinha condições de governar." Para a historiadora Mary del Priore, o empenho de dom Pedro na sucessão simplesmente não existiu. "Sem agenda definida para o império, acho difícil imaginar que, tal como outros imperantes, dom Pedro tivesse interesse em organizar a transição. Em coroas europeias, essa era uma preocupação permanente", afirma Mary. "Mas não consegui identificar, na relação de dom Pedro com o casal D'Eu, nenhum impulso de ajuda ou incentivo nesse sentido."
A jabuticaba no trono
Monarca perfeito para uma democracia imperfeita, onde poucos votavam, Pedro detinha o Poder Moderador, uma jabuticaba política que permitia ao imperador derrubar gabinetes (tal como a fruta, isso só existia no Brasil). Por incrível que pareça, era a única forma de garantir a alternância de poder entre liberais e conservadores. A cada eleição, o partido vencedor trocava as peças de toda administração - e dessa forma tinha a faca e o queijo na mão para perpetuar-se no poder. Ainda assim (ou talvez por isso mesmo), o Poder Moderador e seu controlador, dom Pedro II, garantiram a estabilidade do império. Apesar de chefe do Poder Executivo, o imperador era considerado irresponsável por seus atos e não podia ser processado pelo Judiciário. A situação criava um sujeito com muito poder, mas que não devia satisfação a ninguém, nem à lei. "Durante todo o reinado discutiu-se o que significava na prática chefiar um poder que era operado por outros", afirma José Murilo de Carvalho. "O reinado terminou sem que se chegasse a um consenso sobre esse tema." "O Poder Moderador transformava dom Pedro II, mesmo à revelia de sua vontade pessoal, num soberano absoluto de fato, o que era já uma relíquia de museu no revolucionário século 19", afirma Laurentino Gomes. Para a historiadora Mary del Priore, o Poder Moderador contribuiu para que o Império fosse confundido com toda sorte de arcaísmos. "O povo e a opinião pública desejavam ardentemente a modernização do país", diz Mary. "Para eles, a coroa e seus representantes eram o que havia de mais antiquado e conservador."
Imperador republicano
Para complicar ainda mais a aspiração de Isabel, dom Pedro não parecia muito preocupado em perder o trono. Seus momentos de vida mais felizes ocorreram quando ele deixou o peso da farda de imperador para tornar-se apenas o cidadão Pedro de Alcântara, como gostava de ser tratado em suas viagens internacionais. Há evidentes sinais de que, para ele, a República era algo inevitável no Brasil. "Aparentemente, dom Pedro se resignou à marcha da história", afirma Laurentino Gomes.
De fato, em algumas correspondências, o imperador não esconde que vestiria melhor o figurino republicano. Em seu diário, em 1862, muito antes da explosão do movimento pela República no Brasil, ele anotou: "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou de ministro à de imperador".
Quando o golpe que levou à República eclodiu no Rio de Janeiro, dom Pedro estava em Petrópolis. Poderia ter fugido para o interior e comandado a resistência. Poderia ter parlamentado com o marechal Deodoro da Fonseca, seu amigo e, ainda que alçado a líder do movimento, sem grandes pendores republicanos. Mas ele simplesmente se acomodou e aceitou os fatos. "O imperador mantinha-se abúlico e fatalista", descreve José Murilo de Carvalho em D. Pedro II. "Quando lhe disseram que a República já podia estar proclamada, respondeu: 'Se for assim, será a minha aposentadoria. Já trabalhei muito e estou cansado. Irei então descansar'." No dia 16, a princesa Isabel, que na véspera pedira ao pai para que convocasse o Conselho de Estado, simplesmente pôs-se a chorar. Reuniu-se aos filhos e preparou-se para embarcar para o exílio.
Na Europa, pai e filha dedicaram-se ao que realmente gostavam. Pedro de Alcântara aproximou-se ainda mais de cientistas e intelectuais, como Louis Pasteur (a quem, como imperador, angariou doações ao seu hoje célebre instituto).
O médico que assinou seu atestado de óbito, por exemplo, era Jean-Martin Charcot, um dos pioneiros da psiquiatria. Dom Pedro morreu de complicações de uma pneumonia em 1891, mas Charcot havia chegado a outro diagnóstico ao imperador em sua última viagem à Europa como mandatário brasileiro: ele sofria de surmenage, fadiga física e mental. Curiosamente, no filme Augustine, recentemente em cartaz, o médico francês aparece em algumas cenas com um pequeno macaco de estimação, um presente de dom Pedro.
Isabel dedicou-se à família. Seu marido comprou o Castelo d'Eu, na Normandia. Durante a Primeira Guerra, a princesa se ocupou de gerir cozinhas comunitárias e o marido representava a Cruz Vermelha na região. Com uma baioneta, fazia a ronda noturna no vilarejo próximo ao castelo. Isabel morreu em 14 de novembro de 1921. Tal como o pai, sem nunca ter voltado ao Brasil.
O plano B da Monarquia
Nos últimos anos do Segundo Reinado, apareceu um novo candidato ao trono de dom Pedro II. Seu neto Pedro Augusto, filho da princesa Leopoldina, começou uma articulação de bastidores para transformar-se em dom Pedro III. Era uma forma de evitar a posse de uma mulher carola e ainda por cima casada com um estrangeiro e de prolongar um pouco mais a monarquia. "As tensões entre Isabel e o sobrinho eram enormes", registra Mary del Priore em O Castelo de Papel. "O grupo de 'pedristas' aproveitava e cabalava. Acreditava numa passagem menos radical em direção à República." Boa parte da elite brasileira acreditava que o rapaz era o nome perfeito para suceder dom Pedro II. Seu apelido era "o Preferido". Durante as angustiantes horas do 15 de novembro, Pedro Augusto se propôs a driblar a guarda e buscar contato com os sediciosos. Queria fazer algo pela família imperial. O avô o impediu - e o acusou de conspirar com os revoltosos. No navio que levou a família imperial para o exílio, o rapaz mostrou os primeiros sintomas do que hoje se chama transtorno bipolar - tentou esganar o comandante. Preso em seu camarote, jogava garrafas com pedidos de socorro no mar. A pedido de Jean-Martin Charcot, o médico de Pedro II, o "príncipe maldito", como o chamou Mary del Priore na biografia que escreveu sobre ele, foi examinado por Sigmund Freud. Internado em um sanatório depois de tentar o suicídio em 1893, Pedro Augusto morreu em 1934, 40 anos depois. "O Brasil se livrou de ter um rei louco, como já havia acontecido com Portugal, durante o reinado de Maria I, e com a Inglaterra de George III", diz Gomes.
Saiba mais
LIVROS
D. Pedro II, José Murilo de Carvalho, Cia das Letras, 2007
O Castelo de Papel, Mary del Priore, Rocco, 20131889, Laurentino Gomes, Globo Livros, 2013
Capítulo Inédito de 1889
Um enigma desafia até hoje historiadores e
estudiosos da Proclamação da República no Brasil. Apesar das evidências de uma
conspiração em andamento, o governo imperial permaneceu inerte. Nos dias
anteriores ao golpe republicano, o imperador Pedro II comportou-se o tempo todo
como se ameaça alguma rondasse o trono. A seu ver, estava tudo tão absolutamente
calmo que julgou desnecessário reunir-se com qualquer membro do governo nos dias
que antecederam a queda do Império. Nenhum de seus ministros, por sua vez,
preocupou-se em alertá-lo sobre os insistentes boatos que tomavam conta da
cidade e sobre o óbvio clima de agitação nos quartéis. Proclamada a República,
nenhum comandante de armas ou governador de província saiu em defesa da
Monarquia. As reações foram raras e isoladas, na maioria dos casos nas camadas
mais humildes da população, que, obviamente, não tinham meios para contrapor-se
ao fato consumado. Como explicar tamanha apatia?Max Leclerc, jornalista francês que percorria o Brasil na época, registrou: "A revolução está terminada e ninguém parece discuti-la. Mas aconteceu que os que fizeram a revolução não tinham de modo nenhum a intenção de fazê-la e há atualmente na América um presidente da República à força. Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil. Era contra Ouro Preto e não contra a Monarquia. A Monarquia caíra. Colheram-na sem esforço como um fruto maduro. Ninguém levantou um dedo para defendê-la". Mais adiante, falando da verdadeira causa da queda do Império, Leclerc afirmou que a própria Monarquia, obsoleta e incapaz de se reinventar, fora decisiva para o triunfo republicano: "O edifício imperial, mal construído, edificado para outros tempos e outros destinos, já não bastava às necessidades dos novos tempos. Incapaz de resistir à pressão das ideias, das coisas e dos homens novos, já se tornara caduco e tinha seus alicerces abalados". Ninguém simbolizava mais esse quadro de letargia e torpor do que o próprio monarca. No crepúsculo do Segundo Reinado, um dom Pedro II doente, cansado e "velho antes do tempo", como definiu o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, nem de longe lembrava a figura poderosa e carismática que por quase meio século conduzira com firmeza, paciência e sabedoria os destinos da nação. Confrontado com o avanço da propaganda republicana e a indisciplina nos quartéis gerada pela Questão Militar, parecia incapaz de exercer a liderança que o momento exigia. "O imperador cada vez mais esquecido das coisas presentes e alheio aos assuntos políticos", anotou o visconde de Taunay em seu diário de 19 de abril de 1889. Dom Pedro II era um homem frágil, na juventude sujeito a frequentes ataques de epilepsia e, a partir da meia-idade, vítima de diabetes. Os problemas de saúde se agravaram muito nos dois anos finais do seu reinado. Em fevereiro de 1887, enquanto assistia a um concerto no Hotel Bragança de Petrópolis, foi atacado por uma dor de cabeça tão forte que se viu obrigado a se retirar do camarote em que estava. O desconforto persistiu por dois meses. Em abril, os médicos diagnosticaram um ataque de febre palustre, agravado pelo avanço do diabetes. Sua memória ficou bastante abalada. Alguns auxiliares chegaram a suspeitar que estivesse perdendo a sanidade mental. A princesa Isabel, que se encontrava na Europa, foi chamada a voltar às pressas ao Brasil. "Fiquei muito mal impressionado com o aspecto do imperador", escreveu o barão Von Seiller, representante da Áustria no Rio de Janeiro. "Envelheceu muito, está magro, o rosto abatido e não tem a mesma alegria de antes. Dá a impressão, às vezes, de que tem dificuldade em falar. Em suma, é um homem doente." O quadro pareceu tão grave que os médicos aconselharam tratamento na Europa. Embarcou no dia 30 de junho de 1887, em companhia da imperatriz e do neto Pedro Augusto, enquanto a princesa Isabel assumia a regência pela terceira vez. Na sua ausência, de um ano e dois meses, era tal a convicção de que o imperador não retornaria com vida que, em artigo no jornal O País, o jornalista republicano Quintino Bocaiúva referiu-se ao navio que o transportava como "esquife da Monarquia". Na Europa, dom Pedro II ficou aos cuidados dos professores Charles Bouchard e Jean-Martin Charcot, duas sumidades médicas. Internado durante dois meses em uma estação de águas terapêuticas na Suíça, pareceu se recuperar. Na manhã de 3 de maio, no entanto, teve uma súbita recaída em Milão. Chamado às pressas, seu médico particular, Claudio Velho da Mota Maia, registrou que o aspecto de dom Pedro era assustador. Prostrado na cama do hotel, parecia agonizar. Chegou a receber a extrema-unção de um padre convocado às pressas, enquanto os médicos lhe aplicavam injeções de cafeína, um poderoso estimulante. A situação era tão delicada que, ao receber o telegrama do Brasil com notícia da aprovação da Lei Áurea, a imperatriz Teresa Cristina inicialmente relutou em mostrá-lo ao marido. Temia que a emoção pudesse agravar-lhe o estado de saúde. Por fim, decidiu que era melhor contar logo as novidades que ele esperava havia muito tempo. Dom Pedro II abriu lentamente os olhos e mal teve forças para perguntar: - Não há mais escravos no Brasil? - Não há - respondeu a imperatriz. - A lei foi votada no dia 13; a escravidão está abolida. - Demos graças a Deus - murmurou dom Pedro. - Grande povo! Grande povo! E desatou a chorar copiosamente. Ao retornar da Europa, em agosto de 1888, tinha a aparência de inválido, sem ânimo para nada e incapaz de conduzir os destinos da nação. "Todo o sistema de governo, que durante quarenta anos dependera da orientação e da inspiração do imperador, perdeu o rumo nos meses que se seguiram ao seu retorno", observou o historiador britânico Roderick J. Barman. "Aos 62 anos", relatou Heitor Lyra, biógrafo de Pedro II, "dava a impressão de um homem velho de corpo e de espírito, com a aparência de um ancião, barba e cabelos embranquecidos, andar pesado e arrastado - o todo um ar de homem cansado." Tornou-se forte o rumor de uma abdicação em favor da princesa Isabel, o que, por sua vez, só fez aumentar a resistência a um eventual terceiro reinado, pelas suspeitas que a princesa e o marido despertavam entre boa parte da elite brasileira. Uma hipótese muito discutida foi que a própria Isabel também abdicaria em favor do sobrinho, o príncipe Pedro Augusto, filho de sua falecida irmã Leopoldina. Afastaria assim o risco de que o trono brasileiro fosse ocupado, indiretamente, por um estrangeiro, o francês conde d'Eu. As preocupações a respeito da saúde do imperador e sua capacidade de conduzir os destinos da nação eram partilhadas na família real. "Nunca, nos últimos 40 anos, a situação da Monarquia brasileira pareceu mais instável do que hoje", escreveu o conde d'Eu numa carta ao pai, o conde de Nemours, em 23 de agosto de 1888. "O declínio da Monarquia não faz senão se acentuar cada vez mais", anotou em outra carta, de novembro do mesmo ano. "O imperador, por maior que seja a sua boa vontade, já é incapaz de governar como governava antes de adoecer." Em maio de 1889, o conde d'Eu anunciou que faria uma longa viagem às províncias do Norte e do Nordeste. O objetivo era defender o Império contra os ataques cada vez mais agressivos dos republicanos. Dificilmente haveria pior garoto-propaganda para a Monarquia. O conde viajou sozinho, deixando a princesa Isabel no Rio de Janeiro. Os críticos viram nisso a prova de que, na eventualidade de um terceiro reinado, seria ele o verdadeiro imperador do Brasil. Ciente da impopularidade do adversário, o advogado Silva Jardim decidiu sair-lhe ao encalço. Aonde fosse o conde, lá estaria também o mais radical dos propagandistas republicanos. Por coincidência, embarcaram no mesmo navio. O conde foi recebido com festas em todas as cidades, mas logo se confirmou a sua falta de habilidade política. Em discurso premonitório no Recife, afirmou que, se a Monarquia fosse derrubada pela República, a família imperial teria de deixar o Brasil. A declaração causou polêmica no Rio de Janeiro. Enquanto isso, Silva Jardim enfrentava problemas com a polícia em meio a manifestações a favor e contra o Império. No dia 15 de julho, quando a família imperial saía do teatro no Rio de Janeiro, alguém gritou "Viva a República!". Em seguida, ouviu-se um tiro de revólver, que teria passado de raspão no coche de dom Pedro II. O autor do disparo, o português Adriano Augusto do Vale, preso em seguida, era um caixeiro desempregado, sem qualquer ligação com o movimento republicano. No momento da prisão, estava embriagado, na porta de um bar onde, diante dos fregueses, vangloriava-se em alta voz de haver atirado contra o imperador, prometendo voltar à carga visto ter errado o alvo. Era um caso banal, mas serviu de combustível no clima de radicalização reinante na cidade. Em resposta ao suposto atentado, o chefe da polícia do Rio de Janeiro, conselheiro José Basson de Miranda Osório, publicou um edital proibindo qualquer pessoa de dar vivas à República, medida que logo caiu em descrédito. Enquanto isso, o governo perdia apoio também no Congresso. Às vésperas da viagem do conde d'Eu, caiu o ministério de João Alfredo Correia de Oliveira, responsável pela aprovação da Lei Áurea. Em seu lugar assumiu o visconde de Ouro Preto, chefe do último gabinete do Império. Aos 52 anos, deputado por Minas Gerais desde 1864, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, era o candidato favorito da princesa Isabel. Todos viam sua chegada ao poder como uma preparação para o impopular terceiro reinado. Antes de Ouro Preto, dom Pedro II tentara convencer o liberal baiano José Antonio Saraiva a assumir o posto. Saraiva recusara alegando problemas de saúde, mas teve a coragem de entabular com o imperador uma conversa franca a respeito do que, na sua opinião, viria a ocorrer nos meses seguintes. Na sua opinião, a República parecia inevitável. Era preciso preparar o país para recebê-la. Preocupava-o a possibilidade de anarquia e derramamento de sangue numa eventual mudança de regime pela via revolucionária. Sugeriu que, por precaução, o governo tomasse a iniciativa de propor reformas para atender a algumas reivindicações republicanas, como a federação, de modo a tornar a transição o menos dolorosa possível. - E o reino da minha filha? - perguntou-lhe o imperador. - O reinado de vossa filha não é deste mundo - teria lhe respondido o político baiano, fazendo ver ao imperador que o "devotamento ao clericalismo" da princesa Isabel e a impopularidade do marido, conde d'Eu, tornavam a hipótese de um terceiro reinado inviável. Ao assumir o governo, Ouro Preto apresentou ao Congresso um ambicioso programa de reformas. Propôs o fim da vitaliciedade no Senado, a redução dos poderes do Conselho de Estado, que passaria a ser um órgão meramente administrativo, sem funções executivas, a eleição das autoridades municipais, a escolha dos presidentes e vice-presidentes das províncias entre os candidatos mais votados (e não mais por mera indicação do imperador), o sufrágio universal, liberdade de culto, reforma no sistema de educação a fim de estimular a iniciativa privada. "A situação do país define-se, a meu ver, por uma frase: necessidade urgente e imprescindível de reformas liberais", resumiu o novo chefe do gabinente. À primeira vista, era um programa ousado, mas na prática tratava-se da mesma proposta apresentada duas décadas antes pelo mesmo Partido Liberal agora comandado por Ouro Preto, sem nunca ter sido colocada em prática. Para os republicanos era mais uma cabal demonstração de que o Império não seria capaz de reformar-se a si mesmo, travado pelas suas próprias forças internas, uma prova de que só a mudança de regime poderia levar o país adiante. Por essa razão, ao ouvir o discurso de Ouro Preto, Pedro Luiz Soares de Sousa, deputado conservador pelo Rio de Janeiro, levantou-se e gritou: - É o começo da República! Ao que o ministro retrucou: - Não, é a inutilização da República. Ou seja, até aquele momento Ouro Preto ainda acreditava que o Império teria condições de atender às reivindicações que vinham das ruas e, dessa forma, assegurar a própria sobrevivência, pelo menos por mais algum tempo. Foi desmentido pelos acontecimentos das semanas seguintes. Irritado com a apresentação do programa de reformas dos liberais, o deputado conservador Gomes de Castro, do Maranhão, apresentou uma moção de desconfiança ao ministério, que foi aprovada por 79 votos contra 20. "O resultado da votação testemunhava a incapacidade dos grupos dominantes de aceitar a mudança e as reformas necessárias", observou a historiadora Emília Viotti da Costa. Durante os acalorados debates, dois deputados - o advogado Cesário Alvim, de Minas Gerais, e o padre João Manuel de Carvalho, do Rio Grande do Norte - subiram à tribuna para fazer profissão de fé republicana. - Não nos iludamos, a República está feita - afirmou João Manuel. - Ela existe de fato em todos os espíritos, em todos os corações brasileiros. Diante do impasse produzido pela moção de desconfiança, o imperador decidiu, pela última vez nos 67 anos da Monarquia, dissolver a Câmara e convocar novas eleições, em uma tentativa de recompor a base aliada no Parlamento. Realizado em 31 de agosto, o pleito, de fato, conferiu maioria esmagadora ao partido do governo, como tinha acontecido ao longo de todo o Segundo Reinado. Desta vez, no entanto, os novos deputados não teriam tempo de assumir seus mandatos. A República chegaria antes. |
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