Com a sua Assunção alegram-se os anjos
A basílica da Dormição tem anexa uma abadia beneditina. Foto: Israel Tourism
A fé nesta verdade consoladora da Assunção leva-nos a afirmar que «a Virgem Imaculada preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como rainha, para assim se conformar mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte (Catecismo da Igreja Católica, n. 966).
Este é, portanto, o núcleo do ensino transmitido pela Igreja sobre os últimos mistérios da vida terrena de Nossa Senhora: participando na vitória de Cristo, Ela venceu a morte e triunfa já na glória celestial com todo o seu ser, em corpo e alma. A liturgia faz-nos contemplar este facto em cada ano na solenidade da Assunção, a 15 de Agosto, e na memória de Santa Maria Virgem, Rainha, que se celebra a 22 para lembrar que, desde a sua entrada no paraíso, exerce junto de seu Filho o reinado maternal sobre toda a criação.
A basílica, de planta circular, conta com uma abside decorada com um grande mosaico. Foto: Israel Tourism (Flickr).
Entre as tradições da Cidade Santa, são de referir alguns relatos que pertencem ao género apócrifo do Transitus Virginis ou Dormitio Mariae; com eles sempre se quis exprimir que o fim da vida de Nossa Senhora se parecia a um doce sono. Esses escritos narram que, quando Santa Maria deixou este mundo, reunidos os apóstolos à volta do seu leito, o próprio Senhor desceu do céu acompanhado de inumeráveis anjos e levou a alma da sua Mãe; depois, os discípulos colocaram o corpo num sepulcro e, passados três dias, o Senhor voltou para o levar e uni-lo à alma no paraíso. Ao descrever estes factos, os autores diferenciam dois lugares: a casa onde se deu o trânsito e o túmulo de onde o corpo de Santa Maria foi elevado ao Céu. Na Cidade Santa, duas igrejas conservam ainda hoje a memória destes mistérios: no monte Sião e no Getsémani.
Na Cidade Santa, duas igrejas conservam ainda hoje a memória daqueles mistérios: no monte Sião e em Getsemani
Encontramos ecos destes testemunhos nos ensinamentos de vários Padres da Igreja. São João Damasceno, que morreu em Jerusalém em meados do século VIII, relata a Assunção de um modo semelhante aos apócrifos e situa também os acontecimentos no Cenáculo e no horto das Oliveiras: o corpo amortalhado da Virgem, «retirado do monte Sião, colocado sobre os ombros gloriosos dos apóstolos, é transportado, com o túmulo, no templo celestial. Mas antes é conduzido através da cidade, como uma esposa belíssima, adornada pelo esplendor inefável do Espírito; e assim é acompanhada até ao horto santíssimo de Getsémani, enquanto os anjos a precedem, a seguem e a cobrem com as suas asas, com a Igreja em toda a sua plenitude» (São João Damasceno, Homilia II in Dormitionem Beatae Mariae Virginis, 12).
Na Cidade Santa duas igrejas conservam ainda hoje a memória destes mistérios: no monte Sião, a poucos metros do Cenáculo, a basílica da Dormição; e no Getsémani, junto ao horto onde Jesus rezou na noite de Quinta-feira Santa, o Túmulo de Maria.
A basílica da Dormição
Num artigo anterior falou-se acerca do monte Sião, isto é, a colina que se encontra no extremo sudoeste da Cidade Santa e que recebeu esse nome na época cristã. Ali, junto do Cenáculo, nasceu a primitiva Igreja; e ali, durante a segunda metade do século IV, foi construida uma grande basílica, chamada Santa Sião e considerada a mãe de todas as igrejas. Além do Cenáculo, incluía o lugar do Trânsito de Nossa Senhora, que a tradição situava numa casa próxima. Aquele templo passou por várias destruições e restauros nos séculos seguintes, até que ficou só em pé o Cenáculo. Contudo, nunca foi esquecido o vínculo da zona com a vida de Santa Maria, de forma que em 1910, quando o imperador da Alemanha Guilherme II conseguiu uns terenos em Sião, edificou-se uma abadia beneditina com uma basílica anexa dedicada à Dormição da Virgem.
Várias capelas rodeiam a representação da Dormição; numa delas está o Sacrário. Foto: Israel Tourism (Flickr).
Trata-se de uma igreja de estilo românico alemão com traços bizantinos, concebida em dois pisos. No piso superior encontra-se a nave principal, de forma circular, rematada por uma grande cúpula decorada com mosaicos; à volta abrem-se seis capelas laterais e, no lado oriental, uma abside que dá para o presbitério, com uma abóbada de canhão e uma semi-cúpula também decorada com um grande mosaico. Descendo ao piso inferior, a atenção dirige-se para o centro da cripta, onde se encontra uma imagem jacente da Santíssima Virgem protegida por um pequeno templete. Várias capelas – ofertas de diversos países ou associações - rodeiam esse santuário.
D. Álvaro esteve na basílica da Dormição a 22 de Março de 1994, último dia da sua peregrinação à Terra Santa. Ali fez oração de manhã, preparando-se intensamente para celebrar a Santa Missa na igreja do Cenáculo, que se encontra perto do convento de São Francisco.
Uma escada espaçosa leva-nos da entrada até à nave da igreja. Dos lados abrem-se duas capelas. Foto: Svetlana Grechkina (Flickr).
O Túmulo de Maria encontra-se no vale da torrente do Cédron, em Getsémani, umas dezenas de metros ao norte da basílica da Agonia e do horto das Oliveiras. É conhecida também pelo nome de igreja da Assunção pelos cristãos ortodoxos gregos e arménios, que partilham a propriedade, e pelos sírios, coptas e etíopes, que detêm alguns direitos sobre o lugar.
Para chegar ao sepulcro venerado é preciso descer dois lanços de escadas: o primeiro, a partir da rua até um pátio em um nível inferior, que serve de átrio à igreja e que também conduz à gruta da Prisão; o segundo, dentro do edifício, a partir do mesmo pórtico até à nave. Esta profundidade explica-se porque o leito do Cédron tem subido com o passar dos séculos, e porque a construção que se conservou até nós corresponderia na realidade à cripta da basílica primitiva, cuja obra pode remontar ao século IV ou V.
Em 1972, uma inundação obrigou a realizar um profundo restauro na igreja, e aproveitou-se o facto para proceder a investigações arqueológicas. Esses estudos, junto com as fontes históricas, indicam que a sepultura onde, segundo a tradição, repousou o corpo da Virgem Maria fazia parte de um complexo funerário do século I. Tinha sido inteiramente escavado na rocha e contava com três recintos. Quando se decidiu incluir o túmulo de Santa Maria num edifício de culto, os arquitetos bizantinos seguiram um procedimento parecido ao utilizado no Santo Sepulcro: isolaram à volta, eliminando também outras câmaras; substituíram o teto por uma cúpula de cantaria, e em cima levantaram o santuário.
No centro da nave, encontra-se uma capela que cobre o sepulcro onde, segundo a tradição, os Apóstolos colocaram o corpo da Virgem Maria antes da Assunção. Foto: Svetlana Grechkina (Flickr).
Como sucedeu com outros lugares cristãos na Terra Santa, as invasões do primeiro milénio fizeram com que o santuário se encontrasse deteriorado à chegada dos cruzados, no século XI. Em 1101 instalou-se ali uma comunidade de beneditinos de Cluny, e começaram as obras de restauro: abriu-se a entrada na cripta, alargando a escadaria; dos lados da descida, construíram-se as capelas, utilizadas mais tarde como panteão real; embelezou-se o túmulo da Virgem Maria, cobrindo-o com um templete de mármore; reconstruiu-se a igreja superior e, ao lado, construiu-se um mosteiro com hospedaria para peregrinos, e um hospital. Poucos decénios mais tarde, depois da conquista de Jerusalém por Saladino, de todo o complexo só restavam a cripta, a fachada e a escadaria que as unia, com as duas capelas: é o que constitui a igreja atual.
Em corpo e alma
«O mistério da Assunção de Maria em corpo e alma também está inteiramente inscrito na Ressurreição de Cristo. A humanidade da Mãe foi “atraída” pelo Filho na sua passagem através da morte. Jesus entrou de uma vez por todas na vida eterna com toda a sua humanidade, a qual ele recebera de Maria. Assim, Ela, a Mãe, que o seguira fielmente durante toda a sua vida, tinha-O seguido com o coração, entrou com Ele na vida eterna, que também chamamos de Céu, Paraiso, Casa do Pai.» (Francisco, Homilia, 15-VIII-2013). Ao mesmo tempo, «a Assunção é uma realidade que também nos diz respeito, porque nos indica de modo luminoso o nosso destino, o da humanidade e da história. Com efeito, em Maria contemplamos aquela realidade de glória à qual é chamado cada um de nós, juntamente com toda a Igreja.» (Bento XVI, Angelus, 15-VIII-2012).
A câmara funerária está escavada na rocha e tem um banco adossado à parede para colocar o corpo. Foto: Svetlana Grechkina (Flickr)
Nossa Senhora, participando plenamente na obra da nossa salvação, tinha de seguir de perto os passos do seu Filho: a pobreza de Belém, a vida oculta de trabalho normal em Nazaré, a manifestação da divindade em Caná da Galileia, as afrontas da Paixão, o Sacrifício divino da Cruz, a bem-aventurança eterna do Paraíso.
Tudo isto nos afeta diretamente, porque esse itinerário sobrenatural deve ser também o nosso caminho. Maria mostra-nos que essa senda é factível, que é segura. Ela precedeu-nos na via da imitação de Cristo, e a glorificação da Nossa Mãe é a firme esperança da nossa salvação. Por isso lhe chamamos spes nostra e causa nostræ lætitiæ, nossa esperança e causa da nossa felicidade.
Jamais podemos perder a esperança de chegar a ser santos, de aceitar os convites do Senhor, de ser perseverantes até ao final. Deus, que em nós começou a obra da santificação, levá-la-á a cabo (cfr. Flp 1, 6) (Cristo que passa, n. 176).
A glorificação da Nossa Mãe é a firme esperança da nossa própria salvação, por isso a chamamos spes nostra e causa nostrae laetitiae, nossa esperança e causa da nossa felicidade.
A nossa existência na terra é um tempo de peregrinação, de viagem, pelo que não faltarão os sacrifícios, a dor e as privações… mas haverá também a alegria.
Talvez julgueis que este otimismo é excessivo, porque todos os homens conhecem as suas limitações e os seus fracassos, experimentam o sofrimento, o cansaço, a ingratidão, talvez o ódio. Os cristãos, se são iguais aos outros, como poderão estar livres dessas contingências da condição humana?
Seria ingénuo negar a reiterada presença da dor e do desânimo, da tristeza e da solidão, durante a nossa peregrinação por esta terra. Aprendemos pela fé com firmeza que tudo isto não é produto do acaso e que o destino das criaturas não é caminhar para a aniquilação dos seus desejos de felicidade. A fé ensina-nos que tudo tem um sentido divino, pois esta é uma característica intrínseca e própria do caminho que nos leva à casa do Pai. Esta maneira sobrenatural de compreender a existência terrena do cristão, não significa a complexidade humana, mas assegura ao homem que essa complexidade pode ser penetrada pelo nervo do amor de Deus, pelo cabo forte e indestrutível, que liga a vida na terra com a vida definitiva na Pátria (Cristo que passa, n. 177).
Para aumentar a nossa esperança, recorramos confiados à Santíssima Virgem Maria: Cor Mariæ Dulcissimum, iter para tutum; Coração Dulcíssimo de Maria, dá força e segurança ao nosso caminho na terra: sê tu mesma o nosso caminho, porque tu conheces as vias e os atalhos certos que, através do teu amor, levam ao amor de Jesus Cristo (Ibid., n. 178).
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